Um retorno - talvez de saturno

 

Faz um tempo que andei percebendo o quanto demoro a ter coragem de fazer as coisas, das mais simples até as mais complexas. É difícil começar, existe um bloqueio, uma preguiça quase mortal que trava tudo aqui dentro. Faz tempo que desejo escrever, escrever sobre tudo, escrever muito e sempre. Tudo transborda aqui dentro e ânsia toma conta do meu corpo. Tem chegado um momento - este aqui e agora - que tudo transbordou de fato e aqui estou, escrevendo. É uma espécie de medo que toma conta quando imagino minha escrita e quão estúpida pode ser, quão esquisita e inoportuna. Parece que tudo que eu faça precise ser grandioso, visto por centenas e reconhecido como excepcional, quando na verdade basta que eu apenas coloque tudo para fora e alivie o peito - e a mente.
As vezes penso que poderia ter escrito peças, romances ou contos com o tanto de coisa que já sonhei, imaginei e acreditei. Quero quebrar o bloqueio, matar o que me mata e me impede de fluir as palavras por mais triviais que elas possam ser. O trivial faz parte, faz falta, ele existe e é isso que nossa existência é. É insegurança demais para uma existência só. Existência essa que está perto do tal retorno de saturno, numa busca por equilíbrio, um chão firme, a certeza de algo no amanhã. Pode ser tudo ilusório, uma ficção que acolhemos para lidar com o tempo e acredito que é assim que deva ser. Conforto nunca é demais por aqui.
Aliás, chega ser irônico ter me formado historiadora e ser tão aficionada pelo tempo. A ideia de um conceito de passado e presente simplesmente me parece absurdo demais, a forma como armazenamos imagens e capturas de momentos na memória e organizamos uma cronologia. Pior ainda é entender que o segundo que me fez escrever esta exata palavra já se passou, virou passado e nada pode ser feito para alterar isso - nem mesmo a tecla backspace ou um ctrl+z dá conta disso. Sofro todos os dias refletindo sobre isso, não é brincadeira o quanto o tempo mexe comigo. Ouço a mesma música em looping e sempre é diferente, dói não poder sentir sempre o mesmo sentimento a cada play, já ficou no passado!
De todas as memórias que crio e guardo, queria poder lembrar nitidamente dos cheiros e dos céus que já testemunhei nesses 27 anos de existência. Céu e tempo estão conectados para mim, ambos podem ser lidos como ciclos - a invenção do tempo cíclico da natureza é uma das criações mais alucinantes do ser humano! Na verdade a invenção do tempo em si é a coisa mais assustadora e bizarra que conheço. Assim como sou aficionada pelo tempo, sou pelo céu. Acordar 5h da manhã, 5 dias por semana, me fez entender e aceitar que é isso mesmo que quero lembrar nos meus últimas dias de vida: todos os céus de tons cor-de-rosa, laranjas, azuis, cinzas, nublados, ensolarados, chuvosos, com quilos de nuvens ou despidos - mas entre esses, prefiro os que vão do azul fechado, passam pelo roxo, vão para o rosa e chegam no laranja avermelhado em chama. Nada pode gerar em mim o sentimento que me arrebenta quando vejo tal pintura no alto. E fazia tempo que queria simplesmente contar tudo isso e, finalmente, tive a coragem de cuspir as palavras de dentro do peito sem censura alguma.

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